Por Mariah Bressani
Parte I
Para quem é fã, o futebol desperta paixões e gera discussões, em muitas das vezes, bastante acalorada. A sua relação com este esporte não é, em absoluto, racional, ao contrário, é visceral.
No Brasil é possível observar esse comportamento, mais acentuadamente, quando acontecem os campeonatos estaduais, nacionais e mundiais. O brasileiro acompanha-os com paixão avassaladora, que o arrasta por turbilhões de sentimentos contraditórios, como alegria e tristeza ou vitoria e fracasso... E não existe meio termo!
É possível compreender essa paixão brasileira pelo futebol, ao se fazer um breve levantamento histórico, principalmente, quando da sua chegada ao Brasil.
Com o fim do trabalho escravo, em 1888, começaram a chegar os primeiros imigrantes europeus e em 1889 instaurou-se o regime republicano, rompendo definitivamente com a coroa portuguesa. Neste momento histórico, tornava-se uma nação de direito, sendo dirigida por brasileiros, porém, ainda sem identidade própria.
Podemos imaginar neste período, a turbulência e a falta de identidade própria: índios, negros alforriados e brancos expatriados, todos convivendo num país no qual não sentiam sendo “seu”. Apesar de quase quatrocentos anos de “existência” o Brasil ainda não era uma nação de fato!
Coincidentemente, nesta época, em 1894, Charles Miller retorna dos estudos na Inglaterra e traz para cá o futebol, num primeiro momento, esporte de elite e para a elite.
Entretanto, no século seguinte, pelos caminhos políticos e culturais percorridos pelo Brasil, tornou possível ao povo apropriar-se deste esporte que permitia a ludicidade e a "jinga" que só miscigenação brasileira pode imprimir ao esporte.
O futebol tornou-se, assim, neste último século da história do Brasil, o esporte nacional, que deu ao brasileiro um senso de identidade e de valor; já que, conforme este esporte foi crescendo em popularidade no país, o brasileiro foi também construindo e fortalecendo sua autoestima e seu autovalor, pois descobriu-se “bom” em algo, conseguiu também este reconhecimento pelas outras nações, ao importarem os “talentos futebolísticos” que foram despontando por todo Brasil.
Desta forma, é possível reconhecer como este esporte tornou-se parte da construção da identidade e fortaleceu a autoestima e o autovalor de “ser brasileiro”.
Parte II
Antes de entender o brasileiro e sua relação apaixonada com o futebol, é necessário, ampliar e compreender o próprio ser humano, como um todo.
O ser humano, desde sempre, precisou e procurou conectar-se com o divino e santificar sua vida. Além da sobrevivência, há duas questões que ocupa a mente do ser humano, que é o pertencimento e a identidade.
Questões como “Quem sou eu?”, “De onde eu vim?”, “O que estou fazendo aqui?”, “Para onde vou?”, sempre intrigaram o ser humano e, apesar das várias e diferentes respostas dadas pelo diversos pensadores desde a antiguidade, ainda hoje, o ser humano se inquieta, ainda não se sente respondido nestas questões existenciais.
Primeiro, por puro instinto, pela necessidade de sobreviver, aconteceu a união dos seres humanos, com a formação de clãs, proporcionando a sensação de pertencimento e promovendo sentimento de segurança e senso de identidade. Desta união em clãs, adveio a rivalidade com outros seres humanos, a necessidade de defender seu território e seus pares e, consequentemente, a guerra.
Assim, a partir da necessidade instintiva de sobrevivência e na sua ânsia em resolvê-la, construiu-se, dentro dos clãs, a sensação de pertencer e o senso de identidade no ser humano.
Na época da Copa do Mundo, todos os brasileiros, fervorosamente, estão unidos sob as cores do Brasil: não existem brancos, pretos, pardos, amarelos, pobres ou ricos, pois, todos pertencem ao mesmo clã, o Brasil, e são detentores de uma mesma identidade, ser brasileiro.
Portanto, no estádio de futebol, durante o jogo, simbolicamente, todos são irmãos, filhos “do mesmo pai e da mãe”, todos fazem parte do mesmo clã e, durante a partida de futebol, é o “clã brasileiro” contra o “outro clã”. É a questão da sobrevivência do clã que está em jogo. É sua identidade e sua supremacia que estão em jogo.
Deste modo, simbolicamente, campo de futebol torna-se campo de guerra, onde os jogadores brasileiros tornam-se os “nossos heróis”, os “nossos guerreiros”, lutando contra os “guerreiros deles”. Não é a torcida torcendo, empurrando o time para frente, para o gol; mas, sim, é cada um ali “junto” com seu “herói”, unidos, lutando contra o seu inimigo, como se fosse uma questão de sobrevivência.
O estádio é, também, simbolicamente, um templo.
O campo de futebol torna-se o "santuário", o "altar", onde o "ritual sagrado" acontece e os deuses se encontram para proteger seus adoradores do aniquilamento pelos outros deuses.
Durante o jogo, o estádio de futebol, simbolicamente, vira o "centro do mundo" e o ser humano estabelece comunhão com os deuses, representados pelos jogadores de seu time, de seu país. Neste momento, ele e os deuses, os jogadores, são Um. E um gol e, principalmente, a vitória, gera catarse coletiva, expulsando as tensões da vida mundana, fazendo-os vivenciar a sensação de ligação com o divino.
Sendo assim, no estádio de futebol, durante o jogo, o tempo para e o rito acontece: a comunhão com os deuses se estabelece e os demônios são exorcizados. E, assim, todos do clã são elevados a deuses – invencíveis e imortais.
Se qualquer jogo de futebol é vivenciado pelo ser humano como uma catarse, onde a guerra contra seus inimigos e o rito sagrado são vivenciados concomitantemente, promovendo renovação, numa disputa de Copa de Mundo, esta catarse é elevada a enésima potência.
Afinal, a Copa do Mundo, podendo ser compreendida como um evento simbólico e catártico, onde ali, não existe um “Eu”, pois, naquele “ritual” todos tornam-se uma única pessoa: são todos “um com o deus”; a vitoria, ali, lhes é consagrada devido à verdadeira comunhão com o divino, atualizando e renovando esta ligação e, consequentemente, garantindo a sobrevivência, o pertencimento, a identidade e a supremacia do clã vencedor.
Imagine, agora, sob esta perspectiva simbólica, o povo brasileiro, tendo em sua história o futebol e o senso de identidade, de autoestima e de autovalor tão mesclados, como a Copa do Mundo só poderia ser vivenciada, assim, com tanta paixão e euforia!
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imagem: Google
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2 comentários:
Mariah, parabéns pelos belíssimos textos...
Futebol, por muito tempo considerado uma paixão nacional, quando na verdade sempre foi o AMOR nacional.
Muitas vezes rompemos relacionamento com alguem de certa forma querido(a), as vezes sequer perdoamos...Porém com nosso time, ou nossa seleção, é diferente, ficamos 23 anos sem ganhar coisa alguma e nosso amor só aumenta, e a quantidade de amantes torcedores também... Caímos para a segundona, perdoamos, vestimos nossas camisas, e mesmo aos prantos cantamos aos brados: "Aqui tem um bando de loucos, loucos por ti Corinthians, pr'aqueles que acham que é pouco, eu grito por ti Corinthians, eu canto até ficar rouco, vamos vamos meu Timão vamos meu Timão não para de lutar..."
Esse grito de guerra que na verdade é quase uma declaração de amor explica bem o que é a paixão, ou melhor o amor ao clube ou à seleção e não para por aí, muitas vezes não temos coragem de dizer que amamos alguém, mas como nosso clube de futebol é diferente, vejamos outro grito de amor: "...Corinnthians minha vida, Corinthians minha história, Corinthians meu amor...jamais vou te abandonar porque te amo..." entre muitas outras de diversos times.
O saudoso Armando Nogueira muito já escreveu sobre o "Brasil, a pátria de chuteiras", recentemente foi para outra morada e levou consigo a bandeira de seu amor, o Botafogo.
Talvez toda explicação esteja num texto que José Geraldo Couto escreveu para A Folha há alguns anos: "Ser corinthiano é ter atração ao precipício", guardo como se relíquia fosse, mostrarei para minha filha, corinthiana, é lógico, quando completar 15 anos e finalmente darei de presente a(o) meu(inha) neto(a)...
Abraço
Fabiano - Uninove
Adorei o texto!
Expressa tudo o que não conseguia pensar a respeito.
É possível colocar parte dele em meu blog com citação de autoria?
Obrigada.
Beijos
Merit Rabanés
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